terça-feira, 15 de dezembro de 2009

vinte três

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com um sorriso amarelo, foi assim que eu cheguei na porta da casa dela. estava afim de fazer uma surpresa, saber mais sobre ela. notei que estava tudo fechado e sem nenhuma luz acesa, confesso que pensei em voltar, mas não foi o que fiz.
toquei a campainha uma vez. duas vezes. dez vezes, mas só na vigésima terceira é que eu vi que uma luz se acendeu. sim, tinha alguém em casa.
fiquei ali, esperando então a porta se abrir.
lá estava ela, de pijama. descabelada e com remelas nos olhos. percebi que quando me viu rolou uma vergonha, o que explicava as bochechas vermelhas. senti um vontade enorme de fazer várias perguntas, mas consegui me segurar. demorei tanto pra conseguir me encontrar com ela, que eu não poderia simplesmente espantá-la com tantas perguntas.
- o que você quer?!
- nada.
- então por que diabos você está há horas na minha porta e ainda tocou milhares de vezes a minha campainha?!
sim, ela estava muito nervosa. o que não era novidade pra mim.
- primeiro, tem apenas vinte e três minutos que eu estou em frente a sua casa. e foram (só) vinte três vezes que eu toquei a sua campainha.
- que diferença faz?! já que você não quer nada eu vou entrar.
- você nem chegou a sair ... será que eu posso entrar, ou quem sabe você possa sair ...
antes mesmo deu terminar a frase ela já estava no portão, abrindo o cadeado. não fez nenhum convite, só abriu e virou as costas. fiquei ali parado, sem saber se a seguia ou não. ela não olhou pra trás, seguiu em frente e entrou. então percebi que sim, era pra eu ir.
abri o portão e entrei. quando cheguei na porta vi que a sala estava vazia e bagunçada. ouvi um grito:
- pode sentar, só tome cuidado com as coisas que estão espalhadas, não pise em nada.
essas coisas eram recortes e mais recortes. de revistas/jornais/livros. tinha papel/cola/tesoura espalhados pela casa toda. com todo o cuidado possível eu entrei e me sentei.
depois de vinte três minutos esperando sentado, ela apareceu. de cabelos presos, olhos lavados e um hálito de morango.
- então, como descobriu onde eu morava?!
- foi fácil. eu já sabia.
- você é algum espião?!
(um sorriso se abriu)
- não. só um curioso.
- tá, que seja. o que você quer?!
- acho que a pergunta certa seria: o que eu quero contigo.
(bochechas rosas, um silêncio)
- desculpa-me. não queria te deixar assim. é que eu sempre gostei de você, mesmo de longe, mesmo sem saber o seu nome.
- posso só saber de onde você me conhece?!
- do ponto de ônibus.
- mas eu nunca te vi por lá. não repare, eu sou sonsa mesmo.
- eu já percebi. até mesmo porque uma pessoa esperta não iria perder o ônibus todo dia só pra não parar de ler.
- e eu pensei que ninguém percebia isso. você sempre esteve lá?!
- todos os dias. até que você sumiu. fiquei preocupado e com saudade. com isso passei a vir na porta de sua casa todos os dias, mas como estava tudo sempre apagado eu não chamava. e também não teria o que dizer.
- é, mas então por que fez isso hoje?!
- porque eu sabia que você estava em casa. e a minha amiga disse pra eu fazer.
- ah, então você faz aquilo que sua amiga diz pra você fazer?!
- só quando eu quero. é que às vezes preciso de alguém pra concordar comigo.
- sem problema. me desculpa o jeito indelicado, é que eu não estou muito social.
- posso perguntar o que aconteceu?! e por que você sumiu do ponto de ônibus?!
- eu gostaria de deixar esse assunto pra outro dia. você tem horas pra ir?!
- não, estou de férias.
- ótimo, precisava mesmo de uma ajuda com isso.
(ela mostrou-me a situação da sala, como se eu já não tivesse percebido)
- claro, o que quer que eu faça?!
então, foi assim que eu conheci a tal menina do ponto de ônibus. ainda não sei o seu nome. passei a tarde e uma parte da noite. quando o relógio marcou vinte três em ponto, me levantei e fui embora. esperando pelo dia vinte quatro.

# eu quero ser outra pessoa qualquer.